A HORA DA ESTRELA

Por Helder Francisco...

“Encontrar-se consigo própria era um bem que até então não conhecia.” Talvez um dos principais limites a que Macabéa estava privada de saber, era o do encontro com sua própria existência. Menina debilitada, insossa, sem gosto pela vida, natureza essa transformada pelo desfecho infantil que tivera, vivia sem expectativa, a própria existência encarregou-se de lhe tirar o ânimo, a vontade de ser feliz. A acomodação de início lhe parece bastante, pra quem perdeu os pais ainda criança e pra quem teve como madrasta uma tia infeliz. O pouco que aparecia seria lucro, o que a vida lhe reserva-se seria o bastante. Aos poucos se percebe sem vida, o sistema biológico que tinha lhe dava locomoção, ainda que por dentro não se encontra-se. A nós, Macabéa parece parasitar, estrela que não brilha não traz encanto, não atrai atenção, pobre Macabéa, cabelo de sopa quando não tira o apetite, cria desconfiança.

Procurar-se nos limites foi à ilusão de Macabéa. O pouco falar, o pouco entender, cuidar-se, tira da pobre menina o encanto de viver. Procurar-se requer esforço, não dá para achar-se fora de si. Macabéa sempre fora obrigada a não experiênciar a realidade humana, privada das dores, nada de lembranças dos pais, nada de lágrimas, sua tia tirou-lhe toda a percepção existencial de sua vida. Macabéa encontrava-se perdida. Nem a morte da tia lhe causa dor, pois com a própria tia assim aprendera.  O contato com a realidade, um dos limites da linguagem no livro apontado, tira de Macabéa todo o encanto da vida. Limites que vão sendo o soco no estomago, de alguém que busca por si. A própria linguagem na “A Hora da Estrela”, torna-se um limite que acompanhada da angústia faz do conto a busca de encontro de alguém que pouco existiu.

Obrigada a procurar uma verdade que ultrapassar-se a si mesma, Macabéa, ainda que de forma ingênua, busca a compreensão para sua existência. Desamparada pela condição humana, a menina magra, sem peito e de cabeça chata, hora parece conceder ao leitor da “Hora da Estrela” uma mísera interpretação de sua vida com a filosofia. O perguntar, questionar, o querer respostas, ainda que sem compreensão, faz da filosofia um ponto de partida para seu encontro. Talvez por isso Macabéa espanta-se com o seu próprio encontro. O acha-se da ao ser a confirmação de existência. A visão de mundo é algo que requer de si um possui-se. É preciso viver das próprias entranhas, quebrar o silêncio posto e achar na palavra o significado da vida.

A narração do livro traz em si a existência humana, talvez essa seja a grande angústia de Macabéa. Ansiedade que se compartilha com o leitor. “Quem eu sou? O que cabe em meu nome?” Abrir a possibilidade de enxergar o mundo dá à existência a compreensão de finalidade. Fazendo uma ponte com o pensamento platônico podemos encontrar uma ligação entre a compreensão dos dois mundos platônicos e as realidades vividas por Macabéa. Os mundos apontados por Platão são os suprassensíveis, aqueles que vivenciamos, experimentamos e aqui atribuímos a Macabéa como o mundo em ruinas, o mundo da feiura, da decadência, aquele que desperta em Macabéa o desejo de aspirina para aliviar o que lhe doí.

O outro mundo seria o mundo das ideias aquele que despertam-na sem sal. No mundo das ideias a necessidade de significação de existência se dá pelo fato de que os padrões de beleza situam-se nas essências superiores, ligadas diretamente ao ser. Daí a definição de beleza de um ser material em Platão depender da maior ou menor comunicação que tal ser possua com a beleza absoluta, que subsiste pura, imutável, eterna, no mundo sensível das ideias. O contato com o mundo que antes privava Macabéa de viver, hoje dar a ela a possibilidade de encontrar-se, a mudança existente depois da morte da tia que vai se dando gradativamente, eleva em Macabéa o desejo do conhecer, desejo este que se conclui com a morte de Macabéa, morte está que dá, a Macabéa, o desfecho final da estrela.

REFERÊNCIA BIBILIOGRAFICA.
LISPECTRO, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro, Rocco, 1998. 

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