Malala e Satyarthi dividem prêmio Nobel da Paz de 2014

“Crianças devem ir à escola e não
ser explorados financeiramente”, defendeu o Comitê, destacando que “nos países
pobres, cerca de 60% da atual população tem menos de 25 anos”. Ao realizar o
anúncio, Thorbjon Jagland, presidente do Comitê Nobel norueguês, afirmou que
foi considerado “um ponto importante o fato de um hindu e uma muçulmana - um
indiano e uma paquistanesa - se unirem na luta comum pela educação e contra o
extremismo”. A comissão ressaltou ainda que, graças à luta de outras pessoas e
instituições, hoje há menos 78 milhões de crianças trabalhando no mundo do que
em 2000, apesar de 168 milhões ainda o fazerem. Em seguida, o Comitê Nobel
norueguês insistiu que “a luta contra a opressão e pelos direitos de crianças e
adolescentes contribui para a realização da ‘fraternidade entre nações’ que
Alfred Nobel menciona em seu testamento como um dos critérios para o Nobel da
Paz”.
O Comitê
destacou que Satyarthi, “mostrando grande valor pessoal” e seguindo a tradição
de Gandhi, “liderou várias formas de protesto e manifestação, todas pacíficas,
concentrando-se na grave exploração de crianças para obtenção de benefícios
financeiros”. O ativista também “contribuiu para o desenvolvimento de
importantes convenções internacionais sobre os direitos da criança”. Kailash
Satyarthi, engenheiro informático indiano que abandonou os computadores há 28
anos para denunciar multinacionais que exploram crianças de 5 a 12 anos em seu
país, encabeça a organização Global March, que libertou da escravidão
empresarial cerca de 80.000 crianças em mais de 160 países.
Já Malala, “apesar da pouca
idade”, vem lutando há anos “pelo direito das meninas à educação e mostrou com
seu exemplo que crianças e jovens também podem
contribuir para melhorar suas próprias situações”. O Comitê Nobel
ressaltou ainda que “ela o fez sob as circunstâncias mais perigosas”. “Mediante
sua luta heroica, ela se tornou uma destacada porta-voz dos direitos das
meninas à educação”, acrescentou o júri.
Malala, que acaba de fazer 17
anos, ficou famosa quando o Exército paquistanês expulsou o Talibã do Vale do
Swat, em 2009. Foi quando se descobriu que ela era a autora de um diário no
qual contava como era a vida sob o controle dos extremistas e que era publicado
no site da BBC Urdu. Desde seus 11 anos, sob o pseudônimo de Gul Makai, Malala
vinha relatando com bastante franqueza como as restrições iam aumentando até
todas as escolas para meninas serem finalmente fechadas.
“O Talibã emitiu uma lei que
proíbe todas as meninas de ir à escola”, escreveu ela, em uma das postagens no
site. “[Hoje] só 11 das 27 alunas assistiram à aula. (...) Três amigas minhas
foram embora para Peshawar, Lahore e Rawalpindi com suas famílias depois da
lei”. A angústia das meninas se revela quando ela relata que uma colega lhe
perguntou: “Pelo amor de Deus, diga a verdade, os talibãs vão atacar nossa
escola?”.
Não era um medo irracional. Um
relatório publicado pelo Exército na época afirmava que os militantes tinham
decapitado 13 crianças, destruído 170 escolas e colocado bombas em outras
cinco. Quando os militares puseram fim à tirania dos talibãs em Swat, Malala
utilizou sua fama repentina para promover o direito à educação, com ênfase especial
às meninas. Seu ativismo, dando palestras em escolas de todo o país, foi
reconhecido pelo Governo, mas não caiu bem entre os extremistas, que, após
tê-la ameaçado em várias ocasiões, tentaram assassiná-la em 9 de outubro de
2012.
Nem essa experiência traumática
afastou Malala de seu objetivo. Foi acolhida no Reino Unido com sua família e,
uma vez recuperada, continuou promovendo o direito à educação das meninas. Há
poucas semanas lançou internacionalmente uma versão infantil de seu livroEu Sou
Malala (Companhia das Letras, 2013). Sua atitude lhe rendeu reconhecimento
internacional. No ano passado, recebeu o prêmio Sajarov da União
Europeia e foi nomeada para o Nobel da Paz. Também foi
convidada a fazer um discurso diante da Assembleia Geral da ONU, que declarou o
dia de seu aniversário, 12 de junho, como o Dia de Malala.
Apesar disso, Malala não incomoda
só ao Talibã, com sua visão estreita e seu temor de que a educação afaste as
pessoas de seus postulados. As escolas particulares do Paquistão proibiram seu
livro. Os responsáveis pela decisão argumentaram que ela não é suficientemente
respeitosa com o Islã, porque quando menciona o nome do profeta Maomé não
acrescenta a seguir a expressão “que a paz esteja com Ele”, como é comum entre
os muçulmanos piedosos. Um mero pretexto que esconde do temor à represálias dos
extremistas a simples ciúme, passando pela ausência de uma verdadeira vontade
política para mudar um país paralisado pela pobreza e pela degeneração social.
O Nobel da Paz é o único que se
outorga e se entrega fora de Estocolmo por decisão do criador dos prêmios, o
magnata sueco Alfred Nobel, já que na época a Noruega fazia parte do Reino da
Suécia. No ano passado, 259 personalidades e instituições foram nomeados para o
prêmio, que acabou sendo dado à Organização para a Proibição de Armas Químicas
(OPCW, na sigla em inglês), por seus esforços para eliminar esse tipo de
arsenal.
A edição deste ano recebeu um
número recorde de candidatos, 278, mas a lista de indicações enviadas por
professores universitários de Direito e Ciências Políticas, parlamentares e
antigos premiados de todo o mundo só será tornada pública dentro de 50 anos.
Sabe-se que entre os nomeados estão, por exemplo, as Mães da Praça de Maio, da
Argentina. Entre os favoritos nas casas de apostas estavam o papa Francisco, o
médico congolês Denis Mukwege e o ex-analista da CIA Edward Snowden, segundo a
agência EFE.
Fonte: http://elpais.com/
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