O BEM E O MAL NA FILOSOFIA - 9º ANO

É desde a
antiguidade que os sábios se ocuparam com as vias do pensamento, gravando na
história um processo de desenvolvimento ininterrupto da arte de interpretação.
Os conceitos de Bem e Mal estão essencialmente circunscritos nesse processo
histórico de meditação pensante. Bem antes da era cristã, vislumbramos
estudiosos que se detinham com esses conceitos. Não é possível, contudo, em um
curto espaço de tempo, identificar todos os que se envolveram com a questão do
Bem e do Mal. Traçaremos um perfil histórico, diga-se de passagem, bastante
resumido, da relação conceitual entre Bem e Mal.
PRÉ-SOCRÁTICO
Encontramos
no pensamento de dois pré-socráticos as duas linhas do desenvolvimento pensante
que desejamos apresentar aqui para os conceitos de Bem e Mal. Em Heráclito
de Éfeso (540-470 a.C.), propriamente não está dito que o Mal seja o ser
das coisas. Mas está dito que a natureza se comporta de apenas um modo, a
maneira da discórdia: "É preciso saber que o combate é o-que-é-com, e
justiça [é] discórdia, e que todas [as coisas]vêm a ser segundo discórdia e
necessidade." Isso que Heráclito diz ser o-que-é-com podemos entender como
o caráter comum de tudo o que é. O caráter comum, portanto, é a discórdia, o
combate, conceitos que podemos aproximar ao conceito Mal, porém, ainda não
podemos identificá-los nem confundi-los com este, justamente porque não está
aqui expressa nenhuma oposição entre discórdia e bem. Por isso, ainda não é
possível associar o conceito discórdia com o conceito Mal. Essa discórdia que é
o caráter comum de tudo ainda não pode ser entendida como nenhuma maldade. Uma
outra perspectiva de pensamento, diferente dessa proclamada por Heráclito,
encontramos em Parmênides de Eleia (530-460 a.C.). E este diz:
"Necessário é o dizer e pensar que [o] ente é; pois é ser; e nada não
é." Parmênides atribui como caráter comum de todas as coisas o Ser. Uma
coisa só pode Ser; não sendo, apenas não é. Aqui podemos fazer o mesmo que
fizemos com Heráclito, porém, com o conceito oposto, o bem. Ainda assim não
encontramos nenhuma bondade. Podemos aproximar o Ser ao Bem, mas ainda não
podemos identificar um com o outro.
NIETZSCHE
X PLATÃO
Aparentemente,
não conseguimos nada sobre a relação entre o Bem e o Mal. Mera aparência, pois,
é a partir da relação entre a Discórdia heraclitiana e do Ser parmediano que
vislumbramos em Platão o afastamento primordial entre os conceitos Bem e Mal,
na qual se vê uma instituição moral normativa de bondade e maldade. E para nos
conduzirmos por esta linha de pensamento, assumiremos, de agora em diante, uma
postura nietzschiana acerca dessa problemática.
Para
Nietzsche, Platão foi o grande instituidor da metafísica do pensamento, tal
qual entende o filósofo alemão. E o pensamento platônico se resumiria assim:
tudo o que é deve assumir a condição de verdadeiro; a verdade é obtida quando
ascendemos ao plano do suprassensível; o conhecimento verdadeiro provém da alma;
o corpo (o sensível) é o ambiente que obstrui a possibilidade do conhecimento.
Exposto assim, o plano do suprassensível comporta o verdadeiro, o ser, agora
não somente aproximado ao conceito Bem, mas identificado com ele. O Ser se
identifica com a verdade que se identifica com o Bem. Do outro lado, o
sensível, âmbito apenas da opinião, do não ser, agora também não apenas
aproximado ao conceito Mal, mas identificado com ele. Assim são separados dois
ambientes: o mundo verdadeiro e o mundo falso; o mundo do bem e o mundo do mal.
Seria essa, portanto, ante a perspectiva nietzschiana, a primeira vez em que
Bem e Mal expressam, respectivamente, Ser e Não Ser (Devir). Platão, nos
parece, marca o período embrionário da luta entre bem e mal na filosofia. Luta que
chega à fase adulta quando do desenvolvimento do cristianismo, a chamada era
medieval. Aqui temos uma nova fase do conceito. A caracterização que
encontramos em Platão é sutilmente modificada para atender aos propósitos
morais do cristianismo. O Bem, não apenas se identifica com o Ser, mas com
Deus, um único Deus; e o Mal, agora não apenas se identifica com o Não Ser, mas
com o Diabo, ou seja, com a falta de Deus. Nesse período, encontramos vários
expoentes de grande importância, como Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino,
entre outros, que, em sua maioria esmagadora, eram defensores do Ser=Bem=Deus e
condenadores do Não Ser=Mal=Diabo (Pecado).
FÉ
E RAZÃO
No período
medieval, além desse sutil desenvolvimento dos conceitos Bem e Mal, vimos
também o desenvolvimento de uma luta paralela a esta, que conflitava para
alcançar a supremacia à ascensão ao bem supremo. Esse período do pensamento
ficou marcado pelo conflito estatutário entre Fé e Razão. Não houve consenso
entre os sábios da época; ainda hoje não há entre o povo. Contudo, a razão se
sobressai e a fé não merece nenhum tratamento significativo quando o assunto é
o conhecimento. Eis o advento da era moderna, inaugurada por Descartes, que
institui o estatuto do Sujeito. Nota-se, aqui, mais uma modificação do conceito
Bem e Mal. Tanto a bondade quanto a maldade não mais são procuradas em Deus ou
no Diabo. Mas Bem e Mal dependem da racionalização do homem. Um homem que usa a
razão pratica o bem; o que não usa, pratica o mal. Kant é o grande nome dessa
fase, quando, com sua filosofia, institui o imperativo categórico, um princípio
retirado da razão em suas atividades práticas, um princípio extremamente
normativo. Isso significa que a razão tem a condição de nos dirigir de um modo
padronizado, seguindo uma máxima universal de comportamento, enquanto um
"tu deves", diferente, mas não contrário de um "eu quero".
Esse "eu quero" deve ganhar um estatuto universal de dever, de ser
bom para todos a partir do que é bom pra mim. Assim, o dever é sentido como
algo natural, bom, e o querer que não seja um imperativo da razão prática de
modo universal, que possa não ser querido por alguém em particular, deve ser
evitado, não querido, pois é mal. Uma característica importante da filosofia
kantiana, e que não poderíamos deixar de dizer, é que esse Bem, ou seja, esse
Ser, esse Deus, não são passíveis de conhecimento como coisas em si, mas ainda
é possível decidir-se por eles. O que não mais acontece com o advento do
positivismo alemão. O que começa com Kant é desenvolvido e continuado por
Fichte, Schelling, Hegel e Schopenhauer, porém, com outra sutil modificação
conceitual. O sistema kantiano enfatizou a impossibilidade de conhecimento do
mundo verdadeiro, ou seja, do Bem; o idealismo alemão confiscou qualquer ímpeto
que se decidisse por esse desconhecido. Assim, o positivismo nos leva a uma
espécie de depressão existencial. Todo o mundo que tínhamos pra viver, o mundo
de conflito entre Bem e Mal, que não pode ser conhecido, tampouco pode ser
escolhido. É o enterro vivo de qualquer resquício de fé que a razão carregava
ocultamente em si.
NOVA
ÓTICA
O que
acontece após essa racionalização do comportamento é o que podemos chamar de
inversão do platonismo, segundo a perspectiva nietzschiana que adotamos desde o
início. Nota-se que todas essas modificações e caracterizações dos conceitos
Bem e Mal são desenvolvimentos daquela primeira caracterização realizada por
Platão. Resta, portanto, ir além de um pensamento que nos leva a considerar o
mundo sob a ótica de bem contra o mal. É o que Nietzsche propõe ao escrever um
livro que se intitula "Além de Bem e Mal", a supressão do Bem, ou
seja, daquele mundo verdadeiro que desejava Platão. Mas não é só isso.
Nietzsche também suprime o conceito Mal, o mundo falso platônico. Assim, se
tanto o Bem é suprimido, deixa de existir como algo que necessariamente deva
existir, o seu oposto, o Mal, também cessa sua existência. Para Nietzsche,
portanto, o homem deve criar um novo jeito de dizer o mundo, uma maneira nova
que vá além da dicotomia e do conflito entre algo que venha do Bem e algo que
venha do Mal. Não há nada que garanta que algo seja uma bondade ou uma maldade
em si, sem antes haver um conflito de interesses. O que podemos notar a partir
do pensamento de Platão, é que nossas atitudes e nossa ética decidiam-se por
conceitos caracterizados previamente a uma ação, sendo Bem e Mal algo já
existente e norteador dessas mesmas ações. Nietzsche propõe um retorno ao
pensamento que encontramos nos pré-socráticos, em que as atitudes eram
avaliadas posteriormente a sua execução, e não o contrário. Assim, Bem e Mal
podem ser caracterizados como algo circunstancial. Dois ou mais atos,
aparentemente semelhantes, podem receber uma avaliação diferenciada, de acordo
com a circunstância do acontecimento.
Podemos
concluir, a partir do que foi dito, é que, para a filosofia, os conceitos Bem e
Mal passam por um período de crise. Sua validade enquanto conceito se sustenta
de modo circunstancial. Ou seja, Bem e Mal não são nada de absoluto, de
universal. É por isso que vemos quase todos dizendo: "Estamos perdendo
nossos valores", "Ninguém conserva as tradições". O que parece é
que esses conceitos chegaram ao ápice de suas caracterizações e ainda assim o
ser humano não se tornou "melhor" do que poderia ser. Podemos dizer
ainda que antes, quando Bem e Mal eram absolutos, havia um conflito por algo
declarado. Tinha-se "conhecimento" pelo o que se lutava. Hoje em dia,
por sua vez, há ainda uma luta, mas não há nem mocinho, nem bandido.
POR CLEBER BAESSA MESTRINER
Fonte: http://filosofia.uol.com.br/filosofia/index.asp
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